Uma sugestão para quem fica sem saber o que dizer naqueles momentos românticos: beije muito e fale com o coração. Foi assim que Tato Coutinho, tímido por natureza, conseguiu se declarar para a namorada.
Se você quiser um índice do interesse de um menino por você, preste atenção em sua boca. Deixe os lábios de lado, interessam as palavras. O modo como elas ganham forma. Se impressionado, ele falará como quem tira coelhos da cartola. Ou sopra bolhas de sabão. Uma antiga namorada - que me faz pensar no poder de sedução das palavras - me fez lembrar de uns versos de Bandeira, Manuel, um poeta belo e radical: “Beijo pouco, falo menos ainda/Mas invento palavras/Que traduzem a ternura mais funda/E mais cotidiana./Inventei, por exemplo, o verbo teadorar./Intransitivo:/ Teadoro, Teodora".
Um dia na minha vida. Não havia Teodora. Havia Ana. Aconteciam coisas estranhas quando ela chegava quando ela chegava por perto. Não conseguia explicar. Reconhecia os sintomas: sentia o coração expandir, ouvia o sangue correr nas veias. Ela precisava saber disso. Arrisquei e as palavras me traíram. "Zxschgrf argws dhijs". Ana sorriu, sem entender nada. Percebi ali que a língua portuguesa, do jeito que eu a conhecia, não dava conta do que eu queria dizer. Então mandei flores arrancadas no jardim da casa dela. Muitos anos depois, descobri o poema de Bandeira: Neologismo.
Sem sentido
Um sujeito apaixonado é sempre um analfabeto. Não compreende e não expressa suas odeias segundo normas definidas. Sua gramática é tramada instantaneamente – cedo aprendemos a desenvolver um “vocabulário” alternativo para dar conta da impossibilidade de dizer o que é preciso ser dito. Pichar o nome dele no muro da escola com a caligrafia que ele está cansado de saber de quem, trazer um pouco da areia e da água do mar da praia onde você quis estar com ela. Formas concretas de dizer sim. Agimos e pronto. Está dito. Cedo me rendi ao método. Chegava a ficar minutos inteiros, os olhos brilhando, querendo dizer o que se passava na cabeça para as meninas que me interessavam e nada. As palavras saíam da boca doídas como um dente de leite arrancado. Nessas horas, as palavras se tornam tão difíceis... Nenhuma parece servir. Então falamos bobagens. Ou inventamos palavras.
Neologismo quer dizer palavra nova. Essa é a lição do Bandeira. Na maioria das vezes, as palavras são como uma casa vazia. Quando ele diz "Teadoro, Teodora", ele não está inventando a pólvora, mas falando com o coração. E colocando um vaso de flores na mesa da sala de uma expressão abandonada. Quem dirá o Bandeira um analfabeto por juntar o pronome ao verbo? Dane-se a gramática! Na escola, eu era mau aluno em português. Achava um absurdo aprender regras àquela altura tão esotéricas se eu não conseguia conjugar nem a primeira pessoa do singular na frente de uma menina. A língua precisava ser descoberta e aperfeiçoada de uma outra maneira, mais irresponsável e mais cotidiana. Dei tratos à bola para manter a média e passar de ano e me entreguei ao fascínio que as palavras despertavam em mim, o sentido delas, o modo como elas resumem o mundo. Alguma vez na vida você tentou imaginar o mundo antes do surgimento da língua? A aventura que deveria ser a transmissão do conhecimento?
Bolhas de sabão
Rapaz, quando o amor por Ana me encostou na parede e eu disse: "zxschgrf argws dhijs" eu descobri a pólvora: o modo de dizer as coisas importa tanto quanto o que a gente tem para falar. Ana transformava as redondezas em um quadro de Van Gogh. E eu dizia: “Quente hoje, né?” Ela me encantava pulando o muro de casa como uma acrobata francesa. E eu: “Puxa, Ana”. Quando arranquei as flores do jardim, ela entendeu o que eu queria dizer. E eu também. As palavras devem ser assim: movidas pelo coração. Quando a gente relaxa, e se entrega à revolução que acontece dentro, as palavras são entregues como flores arrancadas de um jardim.
Menina, a palavra certa é como um raio. Elas estão todas lá, no dicionário, mas o sentido delas, quem confere somos nós. O segredo está aí. Quando João Gilberto começou a tocar violão daquele jeito diferente alguns o trataram atravessado. Outros o acharam dissonante. Ele não se incomodou e, com a ajuda de Jobim, o Tom, explicou: isso é bossa-nova, isso é muito natural... O que eu queria dizer (parafraseando Bandeira) é: beije muito e fale com o coração. Então as palavras serão sopradas como bolhas de sabão.
Se você quiser um índice do interesse de um menino por você, preste atenção em sua boca. Deixe os lábios de lado, interessam as palavras. O modo como elas ganham forma. Se impressionado, ele falará como quem tira coelhos da cartola. Ou sopra bolhas de sabão. Uma antiga namorada - que me faz pensar no poder de sedução das palavras - me fez lembrar de uns versos de Bandeira, Manuel, um poeta belo e radical: “Beijo pouco, falo menos ainda/Mas invento palavras/Que traduzem a ternura mais funda/E mais cotidiana./Inventei, por exemplo, o verbo teadorar./Intransitivo:/ Teadoro, Teodora".
Um dia na minha vida. Não havia Teodora. Havia Ana. Aconteciam coisas estranhas quando ela chegava quando ela chegava por perto. Não conseguia explicar. Reconhecia os sintomas: sentia o coração expandir, ouvia o sangue correr nas veias. Ela precisava saber disso. Arrisquei e as palavras me traíram. "Zxschgrf argws dhijs". Ana sorriu, sem entender nada. Percebi ali que a língua portuguesa, do jeito que eu a conhecia, não dava conta do que eu queria dizer. Então mandei flores arrancadas no jardim da casa dela. Muitos anos depois, descobri o poema de Bandeira: Neologismo.
Sem sentido
Um sujeito apaixonado é sempre um analfabeto. Não compreende e não expressa suas odeias segundo normas definidas. Sua gramática é tramada instantaneamente – cedo aprendemos a desenvolver um “vocabulário” alternativo para dar conta da impossibilidade de dizer o que é preciso ser dito. Pichar o nome dele no muro da escola com a caligrafia que ele está cansado de saber de quem, trazer um pouco da areia e da água do mar da praia onde você quis estar com ela. Formas concretas de dizer sim. Agimos e pronto. Está dito. Cedo me rendi ao método. Chegava a ficar minutos inteiros, os olhos brilhando, querendo dizer o que se passava na cabeça para as meninas que me interessavam e nada. As palavras saíam da boca doídas como um dente de leite arrancado. Nessas horas, as palavras se tornam tão difíceis... Nenhuma parece servir. Então falamos bobagens. Ou inventamos palavras.
Neologismo quer dizer palavra nova. Essa é a lição do Bandeira. Na maioria das vezes, as palavras são como uma casa vazia. Quando ele diz "Teadoro, Teodora", ele não está inventando a pólvora, mas falando com o coração. E colocando um vaso de flores na mesa da sala de uma expressão abandonada. Quem dirá o Bandeira um analfabeto por juntar o pronome ao verbo? Dane-se a gramática! Na escola, eu era mau aluno em português. Achava um absurdo aprender regras àquela altura tão esotéricas se eu não conseguia conjugar nem a primeira pessoa do singular na frente de uma menina. A língua precisava ser descoberta e aperfeiçoada de uma outra maneira, mais irresponsável e mais cotidiana. Dei tratos à bola para manter a média e passar de ano e me entreguei ao fascínio que as palavras despertavam em mim, o sentido delas, o modo como elas resumem o mundo. Alguma vez na vida você tentou imaginar o mundo antes do surgimento da língua? A aventura que deveria ser a transmissão do conhecimento?
Bolhas de sabão
Rapaz, quando o amor por Ana me encostou na parede e eu disse: "zxschgrf argws dhijs" eu descobri a pólvora: o modo de dizer as coisas importa tanto quanto o que a gente tem para falar. Ana transformava as redondezas em um quadro de Van Gogh. E eu dizia: “Quente hoje, né?” Ela me encantava pulando o muro de casa como uma acrobata francesa. E eu: “Puxa, Ana”. Quando arranquei as flores do jardim, ela entendeu o que eu queria dizer. E eu também. As palavras devem ser assim: movidas pelo coração. Quando a gente relaxa, e se entrega à revolução que acontece dentro, as palavras são entregues como flores arrancadas de um jardim.
Menina, a palavra certa é como um raio. Elas estão todas lá, no dicionário, mas o sentido delas, quem confere somos nós. O segredo está aí. Quando João Gilberto começou a tocar violão daquele jeito diferente alguns o trataram atravessado. Outros o acharam dissonante. Ele não se incomodou e, com a ajuda de Jobim, o Tom, explicou: isso é bossa-nova, isso é muito natural... O que eu queria dizer (parafraseando Bandeira) é: beije muito e fale com o coração. Então as palavras serão sopradas como bolhas de sabão.
(Tato Coutinho – Revista Capricho – Outubro/1996)
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